Resenha: Uma Garrafa no Mar de Gaza, de Valérie Zenatti


Um homem-bomba se explodiu dentro de um café em Jerusalém. Seis corpos foram encontrados. Uma garota, que se casaria naquele dia, morreu junto com o pai “algumas horas antes de vestir seu lindo vestido branco”. E Tal não consegue parar de pensar em tudo isso. Depois de ouvir o estrondo de dentro da própria casa, ela escuta as conversas ao redor, vê as imagens do desastre na TV - o noivo desconsolado, a mãe arrasada, a família em prantos - e se pergunta sobre todas as outras mortes e todas as outras famílias que sofreram com tantos atentados que parecem não ter fim (...)E então, numa aula de biologia qualquer, a menina percebe que aquilo que era só um desabafo na verdade deveria ser uma carta - com suas perguntas, seus anseios e sua história -, escrita especialmente para alguém da faixa de Gaza, de preferência do sexo feminino e que também tivesse dezessete anos. Assim, Tal coloca todos os seus pensamentos em uma garrafa e pede ao irmão, que prestava o serviço militar perto de Gaza, para lançá-la ao mar naquela região.

Uma Garrafa no Mar de Gaza, escrito por Valérie Zenatti e publicado pela Seguinte, é um romance fictício ambientado em Israel/Gaza nos dias de hoje, de forma realista e suave, mesmo em meio ao caos da insegurança.


Antes de começar a falar do livro, propriamente dito, preciso dizer que este foi um dos exemplares mais desejados por mim. Conheci o livro (sua capa e sinopse), por acaso, ao ouvir falar de um filme. Assim que conheci o tema e a ideia, incrivelmente linda, me apaixonei por todo o significado da história e, eu soube que iria gostar. Não li esse livro agora, na verdade, estou com ele separado para resenha desde janeiro, quando terminei e, acreditem, não pensei que conseguisse palavras para descrever o que sinto sobre ele. Mas algo mudou. No final de junho, vocês devem ter acompanhado o início de mais uma temporada de conflitos gravíssimos entre Israel e a Palestina, algo muito triste e que acontece há muito tempo. Não acho que falar sobre isso vá resolver alguma coisa, mas se eu puder recomendar essa leitura acho que já posso deixar bem clara a minha posição.

Como a própria sinopse sugere, os fatos narrados no livro são desencadeados após mais um atentado terrorista. Tal, uma jovem israelense que ainda se sente protegida pela família e pelas paredes de sua casa segura, pela primeira vez, sente que não está livre do infortúnio de estar no lugar errado e na hora errada. O noticiário diz que uma das vítimas era uma moça que se casaria naquele dia e estava no Café onde ocorrera a explosão, com o pai. Imediatamente, a garota se vê no lugar daquelas vítimas, sem saber o que o amanhã lhe reserva. Após muito pensar, ela decide desabafar escrevendo. Até aí, normal. Todo mundo faz isso, não é? Mas Tal quer mais do que desabafar. Ela quer ser ouvida. E mais: quer ouvir o outro lado.

Fico pensando que eu ia bastante ao Café Hillel com Eytan, quando ele estava de licença, ou com minhas amigas. E que poderíamos estar lá. Não entendo como a vida pode depender de tão pouco: ter vontade ou não de ir ao café ao lado.”

Logo, a ideia de se corresponder com uma garota palestina da sua idade parece ser o mais próximo de uma solução para suas dúvidas. Ela quer entender as razões que levam dois povos tão próximos a se odiarem tanto, a ponto de cometerem tantas atrocidades contra inocentes. É assim que ela escreve a carta, contando seus sentimentos a respeito de tudo e esperando a resposta daquela com quem poderá dividir seu anseio por conhecimento e paz. Na carta ela deixa um endereço de e-mail, através do qual poderá ser contactada caso a pessoa queira se corresponder. Protegida por um velha garrafa de vinho, a carta é deixada no mar de Gaza por seu irmão, que serve ao exército naquelas imediações. Mas se tudo fosse tão simples, certamente ela nem precisaria escrever...

Digamos que a garrafa não vai parar nas mãos de uma garota palestina de cabelos escuros e compridos. Quem a encontrou, na verdade assina como Gazaman e, ao que parece, o rapaz não está nada receptivo à possibilidade de amizade. Seu humor é péssimo e quase intolerante a qualquer análise sentimental, mas por alguma razão, ele passa a responder aos e-mails.

Aqui está a faixa de Gaza. Vinte e cinco quilômetros de comprimento, dez de largura. Ao redor, arame farpado, com sete pontos de passagem. Se alguma coisa um pouco violenta acontece aqui, em qualquer outro lugar, no lado israelense da Lua, se os israelenses ficarem com medo de que alguém mande tudo pelos ares, pimba!, os pontos de passagem são fechados.”

Como posso falar de uma história tão distante da minha realidade e, ao mesmo tempo, tão próxima? Consegui me identificar com a Tal, pois muitas vezes pensei em como seria trocar palavras com alguém taxado como inimigo. As palavras são tão poderosas que sempre acreditei que pudessem fazer a diferença se as pessoas realmente quisessem, mas acima de tudo, ouvir o outro lado da história deveria ser essencial. É claro que, geográfica e historicamente, acredito que eu esteja distante de um conflito como o de Gaza. Não sei o que acontece realmente por lá e a mídia mente, já que tem o poder de dizer o que quiser a pessoas que não estão nem um pouco dispostas a tirar a prova. Tudo o que sei é que a maioria dos grandes e duradouros conflitos no mundo são motivados por orgulho e arrogância, pela necessidade de se mostrar o mais forte às custas de vidas inocentes. Sim, porque a única perda nessa história é a das vidas daqueles que estão em meio ao fogo cruzado. Nenhum lado jamais sairá vitorioso. E é, mais ou menos, assim que Tal vê as coisas por lá.

Narrado em primeira pessoa por Tal, Uma Garrafa no Mar de Gaza traz, além das divagações e relatos da garota, todo o conteúdo da troca de e-mails. Conhecemos Naim, o correspondente palestino, graças ao que ele descreve nos e-mails e, apenas desta forma. O desenrolar da história é completamente incerto, acontecendo em tempo real. É incrível ver como pessoas tão diferentes, intituladas como inimigas por um conceito histórico, conseguem encontrar tanto em comum. Não há ninguém poderoso nessa história. De um lado, um Estado com grande poder bélico e, de outro, terroristas que agem em nome de um Território pobre. Não tem como alguém sair ganhando. Percebemos que Naim parece uma pessoa amargurada, porém extremamente inteligente e realista. Adaptar-se à sua impaciência com os “sonhos” de Tal é um dos desafios da história. Será que ele é mesmo um morador de Gaza intolerante?

O livro é curtinho, com apenas 122 páginas que parecem não ser o suficiente para uma história tão necessária. O final não é o melhor, mas combina com incerteza, uma das constantes do contexto Israel/Palestina. Recomendo este livro a qualquer pessoa que ache que a grama do vizinho é a mais verde; a qualquer pessoa que tenha o preconceito como constante; e, a qualquer um que ache que sair por aí explodindo coisas (públicas ou alheias) é fazer justiça. Recomendo este livro a você, que como eu, nunca entendeu como isso tudo realmente começou, mas que acredita, assim como Tal, que pode haver esperança.


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